sexta-feira, 23 de abril de 2010

CONTO:FRIOS LABIRINTOS



Estamos num ano de algumas turbulências na nossa faculdade. Muitas pesquisas de campo, trabalhos, provas, entrevistas, afinal, fazíamos o último período do curso de jornalismo. Eu, Diana, uma moça já experiente, entrei no curso um pouco tarde. Não por preguiça de estudar, mas pelas dificuldades financeiras que minha família enfrentava e tive que trabalhar logo cedo. Assim, comecei a faculdade aos vinte e sete anos, com muita luta, trabalhando pela manhã e à tarde dedicava-me totalmente aos estudos.

Num desses trabalhos de pesquisas em campo, estávamos determinadas a enfrentar alguns desafios, entre eles, ir ao local predestinado, fotografar, entrevistar e publicar algumas matérias. Eu e a Ana Joana, ficamos no grupo de buscar questões para desvendar "o por quê" de alguns prédios de apartamentos, residências, pousadas e hotéis, ficarem à mercê da sorte, no despropósito de parar a sua construção no meio do caminho, deixando tanta gente sem lugar para morar ou se instalar. Onde também muitas pessoas investiam suas finanças, e sem motivo aparente, tinham prejuízos, ou eram transferidos para outros planos do grupo do qual faziam parte.

Mas achávamos que na cidade não dava para fazer o tal trabalho, pois ficava mais fácil para os colegas que não tinham outras ocupações fora da faculdade.Sendo assim, iríamos aproveitar um feriadão desses que existem e faríamos a pesquisa em pousadas ou hotéis inacabados, no litoral. A pesquisa seria envolvente, interessante, e além disso, iríamos curtir o ar puro desses lugares, com um ar puro.

Deixamos tudo para trás, trabalho do dia à dia, a agitação dos corredores da faculdade, e viajamos no carro do irmão de Ana Joana, de segunda mão, mas bem conservado. Deixamos as malas no hotel, que era simples, fizemos "uma xecada"
de longe no lugar e encontramos o que estávamos precisando, uma pousada que poderia ser linda, estava ali totalmente inacabada. Beirava as dunas da região, numa mórbida visão de que só os ventos por ali passavam. Disse para a Ana que iríamos deixar o carro no hotel e voltaríamos por ali, caminhando mesmo. E assim, fizemos.

Ao chegar no hotel, uma das primas de Ana estava lá, ficaram numa conversa longa. Eu impulsiva que sou, impaciente também pelo tempo que corria, falei que iria sozinha.
Ela concordou. Sai apressada em busca de uma aventura! Pensei comigo mesma.A distância não era tão próxima como havia achado. Andei com um chapéu de panamá, o sol era forte e o vento, de vez em quando tirava-o de minha cabeça, fazendo-me correr atrás e repondo-o.

Chegando lá, não vi e nem percebi ninguém para cuidar daquele espaço que agora estava inútil para o uso. As ervas daninhas tomavam conta de quase toda a entrada, tive receio de encontrar ratos, insetos ou algum animal perigoso. Dentro, vi paredes sem o reboco, um salão com uma projeção para ser de festas e um balcão com pedra de mármore branca numa arquitetura bonita e bem colocada. Acima, havia locais para o uso de taças ou copos.Quando procurei na bolsa a máquina, me bateu uma raiva, tinha deixado no banco do carro. Um esquecimento, imperdoável! Verifiquei os vários quartos com as paredes frias, sem camas, sem o aconchego dos corpos nos enlaces amorosos de sempre. Haviam só um chão de barro socado, em alguns, só uma camada de cimento, sem o brilho do piso sonhado.

Quando fui saindo, um homem de uma aparência estranha, beirando uns quarenta anos, com um colete preto, veio em minha direção. Fiquei gelada, um frio suado percorreu a minha espinha, mexeu com meu equilíbrio, pensei que fosse desmaiar.

-Moça,o quê faz por aqui?

-Nada não moço, achei bonito essa pousada e vim dar só uma olhada. O senhor toma conta daqui?

-Sim, desde de ontem à noite estou por aqui, sou pago para expulsar os curiosos e para que não façam a invasão daqui.

-Mas o senhor sabe quem são os donos? Por quê pararam a construção?

-Sei de nada não moça e nem quero saber. Sou pago para ficar só tomando conta.

A entrevista durou pouco, o homem era fechado, não falou sobre os donos, fiquei incomodada e sai dali rápido. Comentei para a Ana Joana dos perigos que era enfrentar estes trabalhos exigidos pela faculdade, quis desfazer dos nossos planos e voltar. A Ana sorria, pedia calma, iria à tarde e faria só umas fotos. Seria um jogo bem rápido, iria tirar as fotos, colocaria no notbook e escreveríamos a matéria em casa mesmo. Concordei, pedi para irmos de carro, achei longe irmos caminhando. Mas a Ana me viu tão exausta, que disse-me que iria sozinha no carro. Pensei um pouco, concordei, estava com dor de cabeça do sol que havia tomado parcialmente. Assim aconteceu, ela foi e eu fiquei no quarto, onde cai em sono profundo.

Ao acordar, já era noite, fiquei desnorteada, levantei, olhei para o relógio. Pensei na Ana, se já havia voltado da sessão de fotos naquela "pousada fantasma".O tempo foi passando, passando, e nada de Ana voltar. Me preocupei, quis ir até lá. Mas as ruas se estreitavam em escuridão, desisti. Virei uma noite na angústia de mil pensamentos que povoaram a minha cabeça! Entre eles, que a Ana tinha voltado, ido com aquela prima para alguma baladinha e que estava bem e eu preocupada à toa. Liguei várias vezes para o celular dela e nada, caia na caixa postal constantemente.
Adormeci pelo cansaço de pensar.

Pela manhã, vi uma movimentação muito estranha por ali naquele hotel simples. Um certo tumulto na frente, o carro da polícia parado com os faróis de alerta acessos. (Nossa, o que teria ocorrido?) Pensei. Ao chegar fora, vi uma cena que jamais esquecerei da mente! Minha amiga Ana Joana, estava morta, havia levado um tiro na base na cabeça por trás. O sangue pisado, o rosto alvo, pelo tempo que havia ocorrido o crime, cabelos castanhos e ondulados, sem o mesmo cuidado que tinha, estavam manchados de sangue, misturado a areia e algumas ervas daninhas. Não acreditei! Estavam apenas me esperando para o reconhecimento do corpo que seria levado para o ITEP da região. Sem nenhuma explicação, não sabiam quem teria sido o assassino.Não haviam levado o carro, não se tratava de assalto, esclareceram.Mas a máquina digital, havia desaparecido, misteriosamente.

Agora, aqui, observando esse monte de túmulos, sentada à esmo, triste, pela opção nesse trabalho inacabado, trágico, de respostas vazias, de labirintos frios, fico pensando:

-Quantos e quantas não se foram por perseguições jornalísticas?

-Quantos serão silenciados? Ou silenciadas?

-Quem são os culpados?

Os labirintos de concretos são vazios, frios, inertes, impessoais, mas aqui, a frieza é da total ausência!

-Angel-

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